Friday, January 30, 2004

um assunto recorrente são as famosas listas com os dez mais disto e daquilo, um exercicio a que cedo mais ou menos regularmente como revisão da matéria previamente apreendida. mas são precisamente as omissões que invariavelmente me interessam mais, as bandas, escritores, poetas, que me esqueço de incluir na lista dos insubstituíveis e me fazem bater na testa como naquele anúncio (com a qualidade reconhecida da produção Santa Casa da Mesiricórdia) do totoloto. um dos mais recentes olvidados foram os Pulp, a banda de Jarvis Cocker o homem que apesar de ter as mesmas iniciais que Jesus Cristo, não o é na verdade.
Os Pulp iniciaram a sua actividade em finais de 1979 mas desconheço o seu percurso até 1995 ano em que editaram A Different Class. Há sons que produziram um efeito tão forte em mim que ainda hoje recordo a primeira canção que ouvi e do contexto em que a ouvi. Os Smiths foi "The Headmaster" Ritual, os Pulp "Common People" a história de uma pobre menina rica, que desejava ser uma pessoa normal, como o anjo de Wenders desejava ser homem. Jarvis Cocker usa a palavra como uma arma e dispara indiscriminadamente, com a elegância e impunidade de James Bond, os restantes Pulp asseguram a banda sonora.

"It's ok to grow up, just as long as you don't grow old, face it you're young!"

Common People

She came from Greece, she had a thirst for knowledge
She studied sculpture at St Martin's College
That's where I
Caught her eye

She told me that her dad was loaded
I said, "In that case I'll have rum and Coca Cola"
She said "fine"
And then in 30 seconds' time
She said

"I wanna live like common people
I wanna do whatever common people do
Wanna sleep with common people
I wanna sleep with common people like you

Well what else could I do?
I said, "I'll..."
"I'll see what I can do."

I took her to a supermarket
I dunno why, but I had to start it somewhere
So it started
there
I said, "Pretend you've got no money"
But she just laughed and said, "Oh, you're so funny!"
I said "yeah" (huh)
(But I can't see anyone else smiling in 'ere.)
"Are you sure?"

"You wanna live like common people
You wanna see whatever common people see
Wanna sleep with common people
You wanna sleep with
Common people like me?"

But she didn't
understand
Oh, she just smiled and held my hand

Oh, rent a flat above a shop
And cut your hair and get a job
And smoke some fags and play some pool
Pretend you never went to school
But still you'll never get it right
'Cos when you're laying in bed at night
Watching roaches climb the wall
If you called your dad he could stop it all, yeah

You'll never live like common people
You'll never do what common people do
Never fail like common people
You'll never watch your life slide out of view
And then dance
and drink
and screw
because there's nothing else to do

Sing along with the common people
Sing along and it might just get you through
Laugh along with the common people
Laugh along even though they're laughing at you
And the stupid things that you do
Because you think that poor is cool

Like a dog lying in the corner
They will bite you and never warn you - look out
They'll tear your insides out

'Cos everybody hates a tourist
Especially one who thinks it's all such a laugh
(sniff) yeah!
And the chip stains and grease
Will come out in the bath

You will never understand
How it feels to live your life
With no meaning or control
And with nowhere left to go
You are amazed that they exist
And they burn so bright whilst you can only wonder why

Oh, rent a flat above a shop
And cut your hair and get a job
And smoke some fags and play some pool
Pretend you never went to school
And still you'll never get it right
'Cos when you're laying in bed at night
Watching
Roaches climb the wall
If you called your dad he could stop it all, yeah

Never live like common people
Never do what common people do
Never fail like common people
Never watch your life slide out of view
And then dance and drink and... screw
Because there's nothing else to do

Wanna live with common people like you
Wanna live with common people like you
Wanna live with common people like you
Wanna live with common people like you
Wanna live with common people like you
Wanna live with common people like you
Wanna live with common people like you, la la la la
Oh, la la la la
Oh, la la la la
Oh, la la la la lala
Oh yeah.

Thursday, January 29, 2004

Férias

Há uns anos atrás o Diário de Noticias propunha um concurso onde se pedia um texto com 100 palavras onde surgisse pelo menos uma vez a palavra "férias". enviei um texto que não foi aceite. escusado será dizer que fiquei desolado...

NOTHINGNESS

Umas férias perfeitas seriam talvez uma
espécie de morte, uma total ausência de mim mesmo
num estado latente de absoluta não existência.
Sem sentir, sem pensar, sem qualquer tipo de
sentimentos que como toda a gente sabe só
servem para atrapalhar.
Umas férias de mim mesmo e dos outros,
sem despedidas, sem saudades, sem ramos de flores e sem lágrimas...
Foi exactamente assim que lhe respondi, cara a cara.
Ela não disse nada, os olhos cristalizaram, mas ela não chorou,
virou costas, bateu com a porta, e foi-se embora.

Corto Maltese



um dia uma cigana leu a mão a Corto Maltese e constatou que ele não possuia a linha do destino; Corto traçou-a então com a lâmina de uma faca.

Tuesday, January 27, 2004

Morte de Rimbaud


Não tenho mais nada a dizer, os poemas morreram
fugir tornou-se uma obsessão ou então
é a melhor maneira de encenar o desespero.
bebi águas inquinadas, vi o corpo suspenso
no rebordo dos poços, o coração batendo descontrolado
mas a morte quando se aproxima é uma coisa simples,
vem comer à mão a cinza melodiosa dos dias


Al Berto

Saturday, January 24, 2004

O Quarto do Filho



como sobreviver a quem nos morre? que fazer de todos os sentimentos que nos sobejam, como ignorar o vazio que nos corrói por dentro, como alimentar o desejo carnal do toque quando é o nada que nos fita? como calar tantas perguntas sem resposta, tantas palavras que ficaram suspensas no limbo do que não chegámos a dizer?
teremos de passar por tudo isso sim. não há volta a dar-lhe. vamos ter de nos contorcer de dores na escuridão intacta dos quartos, irremediavelmente vazios. atravessar a desolação dos dias sem ninguém, de olhos fixos no pretérito perfeito de outros tempos mais felizes.
então uma nova manhã há-de chegar. já não seremos mais os mesmos, mas podemos ser diferentes. poderemos até ser melhores.

Friday, January 23, 2004

detesto repetir-me. uma palavra repetida muitas vezes acaba por perder o sentido, dizem. como exprimir então sentimentos ou estados de alma recorrentes como "tenho saudades tuas", "estás tão bonita hoje", ou "amo-te"? ponho-me então a brincar com as palavras e quando me falha a inspiração (outra recorrente por sinal) peço emprestadas frases feitas por poetas, frases feitas e perfeitas, como se fossem feitas só para ti.
hoje o mar parece-me mais pequeno perante o céu imenso da tua ausência.

Wednesday, January 21, 2004

Filmes de Infância


Num post deste site, a Marta comenta o filme da sua infância, "Annie". Foi nessa altura que me apercebi que não tenho um filme de infância.
Ou a ser seria talvez “O Regresso de Jedi” a minha primeira memória num cinema (o Mundial). Ou todos os filmes que via à quarta-feira na Lotação Esgotada à custa de enormes discussões com a minha avó que esgrimia como podia os seus argumentos – que “não eram filmes para a minha idade” e que “tinha de me deitar cedo” – mas eu ganhava sempre. Filmes como o “Caçador”, “Taxi Driver”, “Kramer contra Kramer”, “A Amante do Tenente Francês”, “Apocalipse Now”, “África Minha” preenchem a memória da minha infância juntamente com os filmes de terror da Hammer que davam à sexta-feira à noite. Ou as séries como a “Galactica”, “Buck Rogers no século de não sei quantos”, “A Quinta Dimensão”, “Quem Sai aos Seus” e etc.
Queria no entanto deixar a salvaguarda de que apesar de ter assistido na minha infância a doses industriais de crimes, raptos, homicidios, coacção psicológica, tortura, violações, litigios, divórcios, sexo e sabe-se lá mais o quê, nunca me apeteceu sair para a rua matar alguém.

Um Adeus Português

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti

Alexandre O'Neill


encontrei esta imagem por acaso, e fiquei de olhos presos nela durante algum tempo. é linda não é?

Sunday, January 18, 2004

Ary dos Santos 1937 - 1984

Passam hoje vinte anos sobre a morte de Ary dos Santos. Alguns jornais irão assinalar a data, publicando uma pequena biografia ou um dos seus poemas ou ambos. Amigos irão declamar os seus poemas, cantar as suas músicas, está também já disponível um DVD com um registo de poemas lidos pelo próprio poeta. Teremos ainda eventualmente a hipótese de ver inquéritos de rua, onde poderemos escandalizar-nos com a quantidade de pessoas que nunca ouviram falar de Ary dos Santos, embora saibam trautear a “Desfolhada”. Teceremos então comentários do género “que horror”, “Portugal é mesmo um país de analfabetos”, e outros comentários pouco abonatórios para a nossa lusa pátria, abrindo mais um rombo na nossa já (histórica) carência de auto-estima. Resta-me portanto pouco para dizer. Sobre o poeta está tudo na sua poesia. Ary dos Santos amava as palavras e punha-se nelas (salvo a expressão), despido. Por vezes com luxúria, outras com raiva, tantas vezes com ternura.
Neste dia 20 anos após o seu desaparecimento, ofereço-lhe este poema que pedi emprestado a um poeta bucólico. Alberto Caeiro.

Se Depois de Eu Morrer

Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples
Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto corri o pensamento seria achá-las todas iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.

Thursday, January 15, 2004

Berlim 1948


O Céu Sobre Berlim V


No final da II Grande Guerra Mundial as forças aliadas – Estados Unidos, Inglaterra, França e União Soviética – ocuparam a Alemanha e dividiram-na em sectores. Berlim a capital encontrava-se no território ocupado pelos soviéticos, mas estava também dividida em 4 áreas distribuidas pelas forças de ocupação. Em finais de 1947 as potências ocidentais manifestam a intenção de criar um estado alemão ocidental nos seus territórios. Como primeira medida anunciam uma reforma monetária na zona ocidental, a ter efeito a partir de 20 de Junho. Os soviéticos por seu turno tentam dissuadi-los criando cada vez mais complicações à entrada e saída de produtos e pessoas de Berlim e alegam que com esta medida os aliados perderão o direito de ocupar a capital. A 24 de Junho de 1948 é imposto pelos Soviéticos um bloqueio total ao tráfego terrestre e Berlim torna-se uma cidade sitiada. As forças ocidentais rapidamente percebem que só à uma maneira de contornar o embargo: pela via aérea.
A 25 de Junho os ingleses efectuam os primeiros voos utilizando antigos bombardeiros C-47 adaptados a transporte de carga. A partir desta data os voos tornam-se cada vez mais regulares, atingindo o seu auge a 16 de Junho de 1949 onde a cada minuto aterrava um avião nos aeroportos aliados de Berlim. Apesar de os Soviéticos terem anunciado o fim do embargo a 12 de Maio de 1949, a ponte aérea só terminaria a 30 de Setembro desse ano. No total as forças aliadas efectuaram 277 mil 264 missões entregando mais de 2,3 milhões de toneladas de comida, carvão e outros bens a dois milhões de berlinenses, naquela que é até hoje a maior ponte aérea da história. A comparação entre a ponte aérea de Berlim, com a de Sarajevo ilustra bem a dimensão e o esforço efectuado pelos aliados. Entre Julho de 1992 e Janeiro de 1996 foram transportados para Sarajevo cerca de 179 mil 910 toneladas de carga. A ponte aérea de Berlim entregou mais do que isso só no mês de Março de 1949, um ritmo que se manteria por mais 4 meses.
A 23 de Maio de 1949, 11 dias depois do anúncio oficial do fim do embargo era criada a República Federal da Alemanha a partir dos sectores controlados pelas forças ocidentais e a 5 de Outubro nascia a República Democrática da Alemanha a partir da zona soviética. Estava assim definida aquela que seria a linha da frente da Guerra Fria, a também denominada “Cortina de Ferro”.
Sob o Céu de Berlim milhares de alemães seriam apartados de familiares e amigos por um muro durante quase 4 décadas.

Thursday, January 08, 2004

New York, New York



Start spreadin' the news, I'm leavin' today
I want to be a part of it, New York, New York
These vagabond shoes are longing to stray
Right through the very heart of it, New York, New York

I wanna wake up in a city that doesn't sleep
And find I'm king of the hill, top of the heap

These little town blues are melting away
I'll make a brand new start of it, in old New York
If I can make it there, I'll make it anywhere
It's up to you , New York, New York
New York, New York

I want to wake up in a city that never sleeps
And find I'm A-number-one, top of the list,
King of the hill, A-number-one
These little town blues are melting away
I'm gonna make a brand new start of it in old New York
A-a-a-nd if I can make it there, I'm gonna make it anywhere
It's up to you, New York, New York
New York


Do You Promise Not to Marry Me?



[Charles comes running after Carrie]
Charles: Ehm, look. Sorry, sorry. I just, ehm, well, this is a very stupid question and..., particularly in view of our recent shopping excursion, but I just wondered, by any chance, ehm, eh, I mean obviously not because I guess I've only slept with 9 people, but-but I-I just wondered... ehh. I really feel, ehh, in short, to recap it slightly in a clearer version, eh, the words of David Cassidy in fact, eh, while he was still with the Partridge family, eh, "I think I love you," and eh, I-I just wondered by any chance you wouldn't like to... Eh... Eh... No, no, no of course not... I'm an idiot, he's not... Excellent, excellent, fantastic, eh, I was gonna say lovely to see you, sorry to disturb... Better get on...
Carrie: That was very romantic.
Charles: Well, I thought it over a lot, you know, I wanted to get it just right.
(...)
Charles:Do you think that you might agree not to marry me? And do you think that not being married to me might be something you'd consider doing for the rest of your life?
Charles: ... do you?
Carrie: I do!

Wednesday, January 07, 2004

All We Need Is Love



No outro dia fui ver “O Amor Acontece” e acontece que – contra todas as minhas expectativas (e preconceitos receio bem) – gostei do filme.
Se nos amássemos mais seríamos mais felizes, seríamos melhores seres humanos e em última análise a Inglaterra não teria declarado guerra ao Iraque. São estas as paredes-mestras que sustentam o filme. É este ideal outrora celebrado pela geração hippie, que “O Amor Acontece” transporta para os dias de hoje. E de forma admirável acrescente-se, apesar de achar que talvez o filme peque um pouco por excesso, com demasiados enredos e pouca habilidade para tornar o filme um objecto coeso. Mas isso para todos os efeitos é pouco importante. Num país como Portugal, onde o miserabilismo, a auto-flagelação e os arautos da desgraça, crescem como cogumelos filmes como “O Amor Acontece” são uma lufada de ar fresco.
Como diria o utópico-mor (leia-se John Lennon) “Hey Jude, don’t take it bad, take a sad song and make it better.”

Saturday, January 03, 2004

El Tango



De Borges diz-se que é o mais europeu dos escritores latinos. no entanto, é todo o imaginário de uma Argentina mitica que me vem à  memória, de cada vez que evoco Borges ou leio um dos seus livros. Buenos Aires e os seus bordéis, os seus clubes saturados de fumo e suor, as suas paixões violentas e possessivas ou os tangos de Carlos Gardel e Astor Piazzola. Como este "Vuelvo al Sur" com letra do cineasta Fernando Solanas e incluído na banda sonora homónima do cineasta argentino.

Vuelvo al Sur,
como se vuelve siempre al amor,
vuelvo a vos,
con mi deseo, con mi temor.
Llevo el Sur,
como un destino del corazon,
soy del Sur,
como los aires del bandoneon.

Sueño el Sur,
inmensa luna, cielo al reves,
busco el Sur,
el tiempo abierto, y su despues.

Quiero al Sur,
su buena gente, su dignidad,
siento el Sur,
como tu cuerpo en la intimidad.

Te quiero Sur,
Sur, te quiero.

Vuelvo al Sur,
como se vuelve siempre al amor,
vuelvo a vos,
con mi deseo, con mi temor.

Quiero al Sur,
su buena gente, su dignidad,
siento el Sur,
como tu cuerpo en la intimidad.
Vuelvo al Sur,
llevo el Sur,
te quiero Sur,
te quiero Sur...

Aforismo Amoral (VI)*



«Um dia, quando ainda era jovem, Jorge Luís Borges desejou morrer. Queria morrer completamente. Tinha esperança que a vida eterna, o paraíso e o inferno, Deus e o Diabo, a reencarnação, tudo isso, fossem superstições urdidas ao longo de séculos e séculos, pelo vasto terror dos homens. Comprou um revólver numa armaria, apenas a dois passos da sua casa, mas onde nunca tinha entrado antes, e cujo proprietário não o conhecia. Depois comprou um livro policial e uma garrafa de genebra. Foi para um hotel na praia, bebeu a genebra com desgosto, em largos goles (sentia pelo álcool a mesma repugnância que pelo futebol), e estendeu-se na cama a ler um livro. Achava que a genebra, somada ao tédio de um enredo ingénuo, lhe daria a coragem necessária para encostar o revólver à nuca e apertar o gatilho. O livro, porém não era mau – e ele leu-o até ao fim. Quando chegou à última página começou a chover. Era como se chovesse noite. Explico melhor: era como se do céu caíssem grossos fragmentos desse oceano escuro e sonolento no qual navegam as estrelas. Jorge Luís Borges ficou à espera de as ver cair, quebrando-se depois, com grande brilho e clamor, de encontro às vidraças. Não caíram. Apagou o candeeiro. Encostou o revólver à nuca, e adormeceu. Morreu muito velho, em Genebra, muitos anos depois. A genebra, afinal, sempre o ajudou a morrer, mas não como ele havia suposto. Não há como o sono, às vezes, para afastar a morte

*José Eduardo Agualusa - Seis Aforismos Amorais (excerto). Publicado na revista «Pública» a 18/05/2003.

Friday, January 02, 2004

Passos em Volta




Quando o Sol chegou
Aos subúrbios da cidade
Anunciando mais um dia
Igual aos outros
Ele acordou e pressentiu
Que hoje o seu dia ia ser
Diferente
Sentiu nos lábios o sabor
Dum sorriso
Finalmente triunfante
Escorregou da cama
E contemplou
O espelho sorridente

Acabou-se a incerteza
Dos seus passos em volta
Dum sentido que ele nunca
Encontrou
Pela primeira vez
Tinha o destino nas mãos
Desta vez ele não duvidou

Sentiu-se invadir
Por uma estranha lucidez
Que o conduzia pelas calhas
Do passado
Serenamente descobriu
Que afinal tudo tinha o seu
Sentido
Levou o olhar à janela
Lá em baixo
A rua estava abandonada
Levantou o fecho
E de repente
Alcançou a liberdade

Acabou-se a angústia
Dos seus passos em volta
Dum amor com que ele apenas
Sonhou
Pela primeira vez
Tinha o futuro nas mãos
Abriu a janela e voou ...


Jorge Palma "Bairro do Amor"

Aforismo Amoral (V)*



«Um viajante cai do futuro e estatela-se em pleno Largo do Chiado. Levanta-se, sacode a poeira da roupa, ensaia dois ou três passos, ainda um tanto aturdido, e finalmente interroga Fernando Pessoa:

“Em que tempo estou?”

Faz uma bela noite de verão. O poeta ergue-se devagar do seu silêncio de bronze. Estuda, sem surpresa o viajante. Suspira, enfim, morto de tédio:

“Em toda a parte todo o tempo é igual. De onde você vem, por exemplo, não há mais futuro do que agora. Há apenas mais passado.”»

*José Eduardo Agualusa - Seis Aforismos Amorais (excerto). Publicado na revista «Pública» a 18/05/2003.

Thursday, January 01, 2004

Life Is a Cabaret


Nasceu em Munique em 1963. Nos anos 90 fixou residência em Nova Iorque, onde ainda vive actualmente com os seus dois filhos. Pelo meio Ute Lemper, estudou Dança na Academia de Colónia, formou uma banda punk chamada Panama Drive Band, frequentou aulas de teatro na escola de Max Reinhardt em Viena, e começou a trabalhar com encenadores e dramaturgos como Werner Fassbinder em Estugarda. Depois vieram as digressões mundiais onde desempenhou papéis como Lola em "O Anjo Azul" (papel imortalizado no cinema pela musa de Joseph Von Sternberg, Marlene Dietrich), Velma Kelly em Chicago e até de Peter Pan na peça do mesmo nome.
Trabalhou ainda com Pina Bausch na sua revisitação a Kurt Weill, nome a que a sua carreira como cantora está intimamente ligado. A música de Weill, associada às letras de Brecht, assim como o imaginário de uma certa Berlim são indissociaveis de Lemper apesar de esta sempre ter rejeitado rótulos e comodismos. A Berlim dos Cabarets e das mulheres fatais, dos dadaistas e expressionistas, de Murnau e Fritz Lang. Mas se por um lado a música de cabaret é indissociável de Ute, por outro procurou sempre novos desafios mergulhando na "chanson française" de Edith Piaf, Jacques Prévert, o poeta belga Jacques Brel ou Serge Gainsbourg - ou mesmo no rock alternativo de "Punishing Kiss" o álbum de Ute para o ano 2000 onde conta com a colaboração de Nick Cave, Neil Hannon e os seus Divine Comedy, Elvis Costello, Brian Eno, Tom Waits entre outros. entretanto Ute não pára desmultiplicando-se em representações na Broadway, concertos e sessões de estúdio. "It's all a swindlle" apetece dizer, parafraseando uma das muitas canções do Cabaret de Berlim resgatadas por Ute Lemper.

STREETS OF BERLIN
Phillip Glass/Martin

Streets of Berlin
I must leave you soon
Oh, will you forget me
Was I ever really here

Streets of Berlin
I must leave you soon
Oh, will you forget me
Was I ever really here

Find me a bar on the cobble stone street
Where the boys are pretty
I can not love for more than one day
But one day is enough in the city

Find me a boy with 2 ocean blue eyes
That show no pity
Take out his eyes he never needs to see
How they eat you alive in the city

Streets of Berlin
Will you miss me
Streets of Berlin
Do you care
Streets of Berlin
Will you cry out
If I vanish into thin air

If I vanish into thin air

Ute Lemper "Punishing Kiss" - Decca Records, 2000

Le Retour à la Raison (Man Ray/1923)



Percorro as linhas do teu corpo, desenhadas pela luz da tarde que cai, numa resignação de sombra.