Sunday, January 18, 2004

Ary dos Santos 1937 - 1984

Passam hoje vinte anos sobre a morte de Ary dos Santos. Alguns jornais irão assinalar a data, publicando uma pequena biografia ou um dos seus poemas ou ambos. Amigos irão declamar os seus poemas, cantar as suas músicas, está também já disponível um DVD com um registo de poemas lidos pelo próprio poeta. Teremos ainda eventualmente a hipótese de ver inquéritos de rua, onde poderemos escandalizar-nos com a quantidade de pessoas que nunca ouviram falar de Ary dos Santos, embora saibam trautear a “Desfolhada”. Teceremos então comentários do género “que horror”, “Portugal é mesmo um país de analfabetos”, e outros comentários pouco abonatórios para a nossa lusa pátria, abrindo mais um rombo na nossa já (histórica) carência de auto-estima. Resta-me portanto pouco para dizer. Sobre o poeta está tudo na sua poesia. Ary dos Santos amava as palavras e punha-se nelas (salvo a expressão), despido. Por vezes com luxúria, outras com raiva, tantas vezes com ternura.
Neste dia 20 anos após o seu desaparecimento, ofereço-lhe este poema que pedi emprestado a um poeta bucólico. Alberto Caeiro.

Se Depois de Eu Morrer

Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples
Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto corri o pensamento seria achá-las todas iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.

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