Friday, June 24, 2005

In the Mood for Love

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“It is a restless moment. She has kept her head lowered, to give him a chance to come closer. But he could not, for lack of courage. She turns and walks away.”

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“That era has passed. Nothing that belonged to it exists any more. He remembers those vanished years. As though looking through a dusty window pane, the past is something he could see, but not touch. And everything he sees is blurred and indistinct.”

Wednesday, June 22, 2005

Hartley o Fatalista

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(...) Rosebud ficou sendo quase uma chave gnomônica; por outro lado deu margem a mais aventuras de compreensão que o «Soneto das vogais» de Rimbaud.
Uns achavam que rosebud era o trenó, tout à fait, e esses poderiam ser classificados como “realistas”; outros achavam que rosebud era a lembrança da neve, a memória dos tempos de menino; e esses revelaram-se imediatamente «fatalistas». Para muitos rosebud não existia, era o mistério da personagem, a sua ligação com Deus – e esses eram positivamente os «metafísicos». Outros não sabiam o que queria dizer rosebud, e para esses o reino dos céus está garantido. E nessa mesma categoria, adiantavam-se novos, de mau caráter, que não gostavam do filme todo só porque não entendiam rosebud ou achavam que rosebud era besteira, negócio de poesia, coisa sem cabimento. A estes dedicou Otávio de Faria longas páginas nos seus romances. Eles se chamam «Pedro Borges» (...).

Excerto de “Rosebud”, crónica de Vinicius de Moraes, publicada a 12 de Outubro de 1941 no jornal “A Manhã”.

Friday, June 17, 2005

X-Take 1 ou: O Sol é o Teu Inimigo

Macjob: Emprego mal pago, sem prestígio sem lucros, sem futuro, no sector dos serviços.
Frequentemente considerado uma opção de carreira satisfatória por pessoas que nunca tiveram nenhuma.

Jet Set dos Pobres: Grupo de pessoas dadas à itinerância crónica a expensas da estabilidade de emprego ou da residência permanente.
Têm tendência para desenvolver relações condenadas e extremamente caras por telefone com pessoas chamadas Serge ou Eliane. Costumam discutir planos de passageiro frequente nas festas.

Subdose Histórica: Viver numa era em que parece não acontecer nada. Entre os principais sintomas conta-se o vício dos jornais, revistas e noticiários de televisão.

Overdose Histórica: Viver numa era em que parecem acontecer demasiadas coisas ao mesmo tempo. Entre os principais sintomas conta-se o vício dos jornais, revistas e noticiários de televisão.

Coupland, Douglas, in Generation X, Editorial Teorema, 1994.

Thursday, June 16, 2005

«X This from Your Vocab»

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«Regarding Generation X, well, the whole point is that there never was or will be a definition.
Generation X was first published in March 1991 in the US and Canada. Back then, pundits were also using that dreadful word "20something." Of course, half a decade later, 50 percent of those initial 20somethings are 30somethings, but it appears that pundits pluck the X-term out of the sack every time they need a synonym for young people.
I think it started out being pejorative, and now it's like Kleenex or Jell-O. Semiotically blank. I've always thought the kerfuffle was pretty silly and have consistently shied away from this sort of phone-sex-type explicitness of X-definition mania since there's nothing to describe. I guess if you identified with the characters or the themes in that book you might be "X," but even that's corny.
Back in 1991, some guy in Orange County named Warren kept hounding me to sell/make/produce Generation X T-shirts, and I said, "Warren, keep your money, because nothing could be less X than wearing a T-shirt saying 'Generation X.'»


Douglas Coupland em resposta à pergunta "como classificar a Geração X?", publicada na revista Wired em 27 de Janeiro de 1997.

Alegria Breve

Enterrei hoje a minha mulher – porque lhe chamo minha mulher? Enterrei-a eu próprio no fundo do quintal, debaixo da velha figueira. Levá-la para o cemitério, e como? Fica longe. Ela pedira-mo uma vez, inesperadamente, acordando-me a meio da noite.
Queria que a enterrasse junto ao muro que dá para o caminho porque se vê daí a casa dela. Habituara-se a olhar para aquele sítio depois que ficou só.
E pensava: «verei dali a janela do meu quarto».
Mas teria de transportá-la para lá. Não tenho forças e cai neve. A quantos estamos? É Inverno, Dezembro, talvez, ou Janeiro. Tiro a neve com uma pá, traço o rectângulo e cavo. Dois cães assomam à porta do quintal, chupados de ódio e de fome. Ainda há cães pela aldeia? Babam-se e uivam sinistramente. Tomo uma pedra, disparo-a contra um, desaparecem ambos a ganir. E de novo o silêncio cresce a toda a volta, desde a montanha que fico a olhar até me doerem os olhos. Olho-a sempre, interrogo-a.
Quando estou cansado de cavar, enxugo o suor e olho-a ainda. Um diálogo ficou suspenso entre nós ambos, desde quando? – desde a infância talvez, ou talvez desde mais longe. Um diálogo interrompido com tudo o que aconteceu e que é necessário liquidar, saldar de uma vez. Estou só, horrorosamente só, ó Deus e como sofro. Toda a solidão do mundo entrou dentro de mim. E no entanto, este orgulho triste, inchando – sou o Homem! Do desastre universal, ergo-me enorme e tremendo. Eu. Dois picos solitários levantam-se-me adiante, lá longe, trémulos no silêncio. Entre eles e a aldeia há um vazio escavado na montanha, donde sobem as sombras e a neblina. Pela manhã a neve infiltra-se pelos desfiladeiros, e toda a serra e a aldeia flutuam. Então é como se o tempo se esvaziasse e a vida surgisse fora da vida. Mas agora o ar é puro, transparente, como um sino na manhã. Só as sombras se erguem desde o fundo. Com a neve acumulada tomam um tom violáceo. Mas é um tom nítido como no espectro solar. Os dois picos, de arestas limpas, vibram imperceptivelmente no céu húmido e já escuro.
Trago o corpo da minha mulher embrulhado num lençol. É estranho como pesa. Dir-se-ia que a terra o exige com violência. Gostaria de a olhar pela última vez, e no entanto não é fácil. O lençol é branco e confunde-se com a neve. Assim é como se o corpo se confundisse também. A toda a borda da cova, a neve ficou suja da terra acumulada. Será a fundura bastante? Metro e meio, talvez. De comprimento está bem. Encosto-me ao cabo da enxada e é estranho que não reconheça em mim um sentimento distinto.
Cansaço, decerto. E o orgulho. E o medo. Será tudo o mesmo? E a resignação, talvez, ou mesmo a plenitude. Estás velho, como o não sabes? estás velho.
Talvez seja assim a velhice: um esgotamento longo de tudo. E no centro, breve, uma verdade final. Como um objecto precioso que se tira da terra e se limpa – qual a tua verdade final? Mas estou tão cansado. Agora não. Olho a aldeia abandonada, perdida na montanha, ouço o silêncio. E sinto-me aí disperso, irisado em espaço, íntegro e puro. E nu.
Mas quando vou a erguer o corpo, não resisto: subtilmente afasto as dobras do lençol. Então Águeda aparece-me à última luz da tarde de Inverno. Magra, sisuda, indignada com a vida. Pus-lhe o terço nas mãos, um pouco talvez para a reconciliar consigo, para ter um sono mais fácil. Mas a face agreste de boca cerzida, as mãos quase enclavinhadas fixaram para sempre a imagem do seu desespero.


Ferreira, Virgílio, in “Alegria Breve”, Lisboa, Portugália Editora, Maio de 1969.

O Povo Saiu à Rua Num Dia Assim...

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De pé, ó vítimas da fome!
De pé, famélicos da terra!
Da ideia a chama já consome
A crosta bruta que a soterra.
Cortai o mal bem pelo fundo!
De pé, de pé, não mais senhores!
Se nada somos neste mundo,
Sejamos tudo, oh produtores!

Bem unidos façamos,
Nesta luta final,
Duma Terra sem amos }bis
A Internacional.

Messias, Deus, chefes supremos,
Nada esperemos de nenhum!
Sejamos nós quem conquistemos
A Terra-Mãe livre e comum!
Para não ter protestos vãos,
Para sair deste antro estreito,
Façamos nós por nossas mãos,
Tudo o que a nós diz respeito!

Bem unidos façamos,
Nesta luta final,
Duma Terra sem amos }bis
A Internacional.


"A Internacional"

Tuesday, June 14, 2005

Adeus


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.


Eugénio de Andrade

Friday, June 03, 2005

Amores Fora do Mundo #5

Pedro lembrando Inês

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Em quem pensar, agora, senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: "Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?" Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
esse que mal corria quando por ele passamos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.


Nuno Júdice

* linhas inscritas na lápide da Fonte das Lágrimas:


As filhas do Mondego, a morte escura
Longo tempo chorando memoraram
E por memória eterna em fonte pura
As Lágrimas choradas transformaram
O nome lhe puseram que ainda dura
Dos amores de Inês que ali passaram
Vede que fresca fonte rega as flores
Que as Lágrimas são água e o nome amores
Canto III, estrofe 135, Os Lusíadas