Monday, May 31, 2004

Agarrem esse Cérebro!



O primeiro-ministro Durão Barroso, anunciou na Assembleia da República o projecto Damião de Goes, que tem como objectivo criar incentivos para capturar os cérebros da lusa pátria que desenvolvem os seus projectos lá fora (que é como quem diz onde lhes dão garantias efectivas de trabalho, já para não falar de reconhecimento). por mim acho bem, e já agora espero que Durão Barroso seja um dos felizes contemplados com um cérebro novinho em folha. Os portugueses bem sabem como ele precisa de um.

Sunday, May 30, 2004

Os Novos Realistas


os alemães foram talvez os percursores, quando o cinema dava ainda os primeiros passos e procurava sobretudo entreter e divertir. Fritz Lang, Murnau, Sternberg, deram uma outra perspectiva ao cinema, procurando sobretudo captar a realidade mais negra da sociedade, e tantas vezes ignorada. depois vieram os italianos e mais recentemente os ingleses, com os seus filmes anti-Thatcher, e as filas de desempregados de uma indústria em decadência. as duras condições de vida dos operários e mineiros, dos pobres, das prostitutas e dos deserdados da vida, eram (e são) os temas centrais de histórias onde não há lugar para happy end, nem espaço para a redenção.
No entanto o que me levou a escrever este post foi um filme americano que vi recentemente em cópia restaurada. Broken Blossoms de 1919 do cineasta americano D.W. Griffith por cá traduzido por O Lirio Quebrado, é um filme espantoso sobre a intolerância religiosa na Inglaterra do inicio do século XX, confrontada com os primeiros fluxos de imigração provenientes na maioria das suas colónias espalhadas pelo mundo. Mas é também uma extraordinária história de amor entre um missionário chinês, e uma rapariga dos bairros operários do sul de Londres, dominada pela brutalidade paterna e pelas adversidades da vida. E é sobretudo impressionante constatar, o que é por demais óbvio que apesar das espantosas conquistas tecnológicas ao longo destes últimos 85 anos que nos permitiram voar a velocidades supersónicas, ir ao espaço e tratar de doenças julgadas incuráveis, na verdade não evoluímos nada como seres humanos.

Saturday, May 22, 2004

Copy/Paste



"NÓS e o MUNDO" por Miguel Sousa Tavares

"Daqui até Novembro, o Governo de Ariel Sharon vai ter as mãos livres para fazer o que quiser na Palestina. Não que a sua liberdade de acção, à revelia da ONU e das leis internacionais, não fosse já praticamente total, desde que o amigo George W. Bush chegou à Casa Branca. Mas, quando as coisas eram particularmente chocantes, a Administração Bush lá pedia alguma contenção e Sharon continha-se, a custo. Agora e até às eleições de Novembro, Bush não quer saber de Israel para nada. A única coisa que o preocupa, para além da reeleição, é o Iraque e porque a imprensa e o escândalo mundial a isso o obrigam - de outro modo, também lhe seria já indiferente.

À solta, Ariel Sharon revela exuberantemente aquilo que é: um verdadeiro terrorista. Para abandonar meia dúzia de colonatos em Gaza - que não representam nada para Israel, mas cujo abandono ele apresentará como "grande concessão" - faz questão de deixar a terra queimada para trás. Invocando o eterno argumento da "segurança", dedica-se a destruir, antes mesmos dos colonatos a abandonar, as casas do palestinianos que lá vivem, na sua maioria refugiados de guerra. A ideia é deixar virtualmente inabitável um território que já de si só oferece condições de sobrevivência miseráveis.

Sufragado pelas sondagens, autorizado pelo Supremo Tribunal de Justiça de Israel, o exército de Telavive cumpre a nobre missão de saquear e destruir casas de civis palestinianos. E, quando estes, sem mais nada puderem fazer, se juntam aos milhares numa manifestação pacífica e desarmada em Gaza, Israel bombardeia a manifestação com tanques e aviões, deixando um mar de sangue e corpos de crianças esventrados no chão, culpadas do crime de protestarem contra a destruição das suas casas. Mas, como disse Bush, "Israel tem o direito de se defender do terrorismo". Terrorismo? Mas o que é isto senão terrorismo de Estado?

Israel perdeu há muito a razão, a memória, a história e a honra. Os Estados Unidos, seus cúmplices de toda a hora e todos os crimes, também. Mas porque mantém o resto do mundo, a Europa, relações de igualdade e Estado a Estado com o Estado de Israel? Por que razão o terrorismo é apenas a bomba palestiniana que mata civis indiscriminadamente num café de Jerusalém e não igualmente o míssil disparado de um avião israelita contra uma manifestação de civis palestinianos? Se o terror se define de acordo com a sofisticação dos meios usados, então relembremos que, antes de dispor do último grito em aviões franceses e mísseis americanos, os judeus da Palestina só tinham bombas e foi com elas que abriram caminho à criação do seu Estado, contra a administração britânica."

In jornal Público, 21-05-2004

Thursday, May 20, 2004

FAME



"Marilyn inflatables home on the range
Where the living is easy on a horse with no name
Kennedy convertibles home on the range
Where the suffering comes easy on a ten dollar raise"
(Stateside - David Bowie)

Poucos compreenderam tão bem o fenómeno da Fama como Ziggy Stardust. Talvez porque a sua condição de extra-terrestre lhe permitiu ter uma visão mais distanciada do comportamento humano. Talvez porque ele próprio experimentou na pele que a Fama (como de resto quase tudo na vida) tem duas faces radicalmente opostas. Que a Fama (como quase tudo na vida) é frágil e volátil e que nos alimenta do mesmo modo que nos devora.

Ziggy Stardust
(David Bowie)

Ziggy played guitar, jamming good with Weird and Gilly
And the Spiders from Mars
He played it left hand but made it too far
Became the special man, then we were Ziggy's band

Ziggy really sang, screwed up eyes and screw down hairdo
Like some cat from Japan, he could lick 'em by smiling
He could leave 'em to hang
Became on so loaded man, well hung and snow white tan

So where were the Spiders while the fly tried to break our balls?
Just the beer light to guide us
So we bitched about his fans and should we crush his sweet hands?

Ziggy played for time, jiving us that we were voodoo
The kids were just crass, he was the Nazz
With God given ass
He took it all too far but boy could he play guitar

Making love with his ego, Ziggy sucked up into his mind
Like a leper messiah
When the kids had killed the man I had to break up the band

Oh yeah
Ooooooo
Ziggy played guitar

Tuesday, May 18, 2004

The Eternal



Manchester, 18 de Maio de 1980. A história é sobejamente conhecida, queimada por sucessivas vezes na fornalha que alimenta os mitos. O vocalista da Joy Division, Ian Curtis, suicida-se na sua casa em Manchester, após ingestão massiva de álcool e o visionamento de um filme de Werner Herzog. “Bad news lads... anuncia no dia seguinte John Peel aos microfones da Radio One.
O final foi tão violento e inesperado como o início, quando ainda se chamavam Warsaw e assistiam aos concertos de Sex Pistols em clubes poeirentos entalados entre pavilhões decrépitos de tijolo vermelho e os detritos da revolução industrial. Depois o caminho da Joy Division cruzou-se com o de Tony Wilson, apresentador de televisão e fundador da Factory, e sobretudo com Martin Hannett, sem dúvida um dos grandes culpados do som Joy Division. É Martin que vai esculpir o som em bruto da Joy Division e transformá-la no diamante (negro como convém) da Factory onde despontam nomes como The Fall, Durutty Column ou A Certain Ratio. Ian Curtis era a personificação ideal de uma época. A sua escrita atormentada, a austeridade do negro envergado sem contemplações, as histórias do seu casamento falhado devidamente ilustradas com laivos de sadismo, as alegadas simpatias neo-nazis, a epilepsia que por vezes tomava conta do seu corpo em pleno palco, a revolta espalhada aos ventos atingindo tudo e nada. E depois a morte. A um pequeno passo da consagração, com o LP “Closer” prestes a sair e uma digressão norte-americana já agendada, Ian Curtis deita tudo para trás das costas e suicida-se “I can’t cope no more”, dizia uma nota deixada junto a um álbum de Iggy Pop “The Idiot”, tinha 23 anos. Os motivos da sua morte, são o que levou consigo. A vida deixou de lhe pertencer quando se enforcou, a sua morte também, quando o elevaram a idolo de uma geração.

Thursday, May 13, 2004

Bunny Brown



Dizem que só se esquece um amor com outro amor. Talvez consciente disso mesmo, Bud Clay numa viagem coast to coast, vai colhendo flores que despontam por onde a monotonia de asfalto, mas nenhuma tem o perfume daquela que amou e se foi embora. Uma mulher-criança chamada Violet, mulheres da vida chamadas Rose e Lilly, nenhuma se compara à perfeição de Daisy aquela cujas raízes se cravaram fundo no coração de carne.

Tuesday, May 04, 2004

Profissão: Duro.



Os duros do cinema, encontraram espaço para crescer sobretudo a partir dos anos 40 do século passado (como eu gosto de escrever isto!), encontrando o ambiente propício para crescer na penumbra do film noir.
Sam Spade, alter-ego de Humphrey Bogart, inaugurou um género com a sua gabardina coçada, o olhar impenetrável, a pose sempre “cool” mesmo perante o mais iminente dos perigos, mas sempre disposto a dar a mão a qualquer femme fatale em apuros. John Garfield, James Cagney ou Dick Powell, consolidaram esta imagem do duro com forte apetência para escolher as mulheres erradas que inevitavelmente os arrastavam para uma espiral de conspiração, violência e morte.
Os western foi outro campo prolífico em duros de pernas arqueadas, sotaque carregado e Colt 45 sempre pronta a disparar, como John Wayne, James Stewart, Gary Cooper ou Burt Lancaster.
Em finais da década de 60 os duros tornaram-se policias de dedo nervoso no gatilho, alguns deles recuperados precisamente do western, como Charles Bronson, Clint Eastwood ou Steve MacQuinn, onde o número de balas disparadas era inversamente proporcional ao número de palavras proferidas, o que não impediu que algumas frases como “cam’on make my day” ou “are you feelin’ lucky today?” se tornassem um icone quase tão forte como os personagens que as interpretam.
Nos anos 80 os duros ganharam músculo e perderam a (pouca) subtileza que restava com o despontar de nomes como Sylvester Stallone ou Arnold Schwarzenegger, e mais para o final da década aperfeiçoaram-se nas artes marciais (Steven Seagall ou Jean Claude Van Damme), e perderam de vez qualquer centelha de talento que ainda restava ao género.
Actualmente confesso que tenho prestado pouca atenção ao que se vai passando por aí, mas penso que nada de muito significativo. Os duros à semelhança dos actores que os encarnaram foram amolecendo com o tempo. As personagens foram gradualmente perdendo a densidade dramática, as tramas que os envolviam foram ficando cada vez mais frágeis, sobrou a violência que se extrapolou até atingir o limite do risivel, do absurdo (adorava ouvir a teoria de Freud, em particular sobre este último parágrafo.). Em comum mantiveram o passado traumático (a morte da familia, o alcoolismo, etc), o carácter estóico e obstinado, e a aura de invencibilidade, mas perdeu-se o encanto. Clint Eastwood é o último de uma geração e não me parece que deixará descendentes.

Monday, May 03, 2004

Os Cornos de Cronos


Segundo a mitologia grega, Cronos depois de usurpar o trono ao pai, passou a devorar os próprios filhos à nascença, com receio de que eles pudessem fazer o mesmo. Os romanos chamaram-lhe Saturno e Goya retratou-o a devorar um dos seus filhos, expondo depois, muito apropriadamente o quadro na sua sala de jantar.
Lembrei-me deste terrivel personagem, a semana passada ao ver uma reportagem no Jornal da Noite na SIC, sobre os pais que inscrevem os seus filhos, em agências de casting. Com a diferença de que estes papás devoram os seus filhos não com receio de que lhes usurpem o trono, mas com a esperança de que eles os ajudem a alcançá-lo...

O Sapo e o Escorpião

Encontrei esta pequena fábula pela primeira vez num manual de filosofia do meu primo mais velho. Depois voltei a encontrá-la no “Jogo de Lágrimas” do Neil Jordan e reza mais ou menos assim:

Um escorpião encontra um sapo na margem de um rio e como não sabia nadar, pede ao sapo para o ajudar a atravessar para o outro lado. O sapo olha para ele com desconfiança e diz-lhe:

- nem penses, se eu te ajudar vais-me picar e eu morro.
- mas isso não tem lógica nenhuma, eu não sei nadar e se te picar eu morro também – replicou o escorpião.

Perante esta resposta e a insistência do escorpião, o sapo cede e deixa o escorpião subir-lhe para as costas. A meio do percurso o sapo sente uma picada e o veneno do escorpião a invadir-lhe o corpo e a paralisar-lhe os membros. À medida que se vai afundando, o sapo consegue ainda dizer:

- porque é que fizeste isto? Agora vamos morrer os dois... lamentou o sapo
- eu sei – respondeu o escorpião – mas é a minha natureza.