Wednesday, February 25, 2004

NUDEZ



Onde há quem tenha a pele tenho a memória, sepultura
nenhuma atingirá profundidade igual à desta
nudez com quem a pele sempre tem sido hospitaleira.

Poema de Luís Miguel Nava, com fotografia de Man Ray

Friday, February 20, 2004

Aos Amigos

Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
– Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão.

Herberto Helder

Thursday, February 19, 2004

FITTER HAPPIER

more productive
comfortable
not drinking too much
regular exercise at the gym (3 days a week)
getting on better with your associate employee contemporaries
at ease
eating well (no more microwave dinners and saturated fats)
a patient better driver
a safer car (baby smiling in back seat)
sleeping well (no bad dreams)
no paranoia
careful to all animals (never washing spiders down the plughole)
keep in contact with old friends (enjoy a drink now and then)
will frequently check credit at (moral) bank (hole in wall)
favours for favours
fond but not in love
charity standing orders
on sundays ring road supermarket
(no killing moths or putting boiling water on the ants)
car wash (also on sundays)
no longer afraid of the dark
or midday shadows
nothing so ridiculously teenage and desperate
nothing so childish
at a better pace
slower and more calculated
no chance of escape
now self-employed
concerned (but powerless)
an empowered and informed member of society (pragmatism not idealism)
will not cry in public
less chance of illness
tires that grip in the wet (shot of baby strapped in back seat)
a good memory
still cries at a good film
still kisses with saliva
no longer empty and frantic
like a cat
tied to a stick
that's driven into
frozen winter shit (the ability to laugh at weakness)
calm
fitter, healthier and more productive
a pig
in a cage
on antibiotics

Radiohead, OK Computer 1997

Wednesday, February 18, 2004

O Céu Sobre Berlim VIII



A Thelma & Louise (qual das duas não sei) enviaram-me um poema sobre os anjos de Wenders. Obrigado por se lembrarem de mim e pela revelação de uma poetisa que desconhecia e claro pelo poema.

O céu sobre Berlim
(Der Himmel uber Berlin)

"No filme de Wenders, com
versos de Handke, os anjos fingem
estar fartos de um tempo infinito. Sonham com os pequenos tempos de sentar-se à mesa
a jogar cartas. Ser cumprimentado na
rua, nem que seja com um aceno. Ter
febre. Ficar com os dedos sujos de ler o jornal. Entusiasmar-me com uma refeição ou com a curva de uma nuca. Mentir
com habilidade. ao andar
sentir a ossatura mexer-se a cada passo. Supor, em vez de saber
sempre tudo.
Cá em baixo, os humanos não suspeitam da beleza
do peso, que os segura à terra e fingem
o futuro em cada minuto, para
deixar de dizer agora, agora, agora..."

Inês Lourenço, "A Enganadora Respiração da Manhã"

Saturday, February 14, 2004

Sunday Bloody Sunday



Londonderry, 1972. Após a publicação de uma lei que permitia a prisão de elementos suspeitos de terrorismo sem julgamento, a Associação de Defesa dos Direitos Civis na Irlanda do Norte, convoca uma marcha de protesto (ilegal porque o Parlamento tinha proibido todas as manifestações) agendada para a tarde de 30 de Janeiro. Às 14.50 desse mesmo dia 10.000 católicos reúnem-se no bairro de Creggan com o objectivo de prosseguirem em protesto até à praça de Guildhall no centro da cidade.

As tropas britânicas estabelecem um perímetro de segurança à volta da praça, colocando barricadas nos principais pontos de acesso ao local da manifestação. Para evitar conflitos os membros da organização descem a rua Rossville, procurando contornar a barricada instalada na rua William. No entanto alguns membros deixam-se ficar para trás e têm inicio os primeiros confrontos, com os manifestantes a arremessar pedras e cocktails molotov às tropas, que respondem com balas de borracha e canhões de água.
Entretanto o exército composto por elementos do regimento de pára-quedistas, recebe ordens para avançar sobre os manifestantes e prender o máximo número de desordeiros e dispersar os restantes.

A partir daqui as versões divergem, o exército afirma que foi recebido com tiros e que disparou em legitima defesa contra elementos armados. Os católicos afirmam que foram as forças britânicas que iniciaram o tiroteio, disparando indiscriminadamente contra os manifestantes. A verdade inquestionável é que após 25 minutos de intenso tiroteio, treze católicos jaziam mortos e um número indeterminado de pessoas estavam feridas. A maioria dos mortos eram adolescentes, seis deles com apenas 17 anos, uma 14ª pessoa viria a falecer na sequência dos ferimentos.

Um inquérito instaurado logo após o massacre que ficaria conhecido como “Sunday Bloody Sunday” determinou que o exército agira com “alguma irresponsabilidade”, mas aceitou a alegação de legitima defesa e o caso foi rapidamente encerrado. A partir desta data a violência na Irlanda do Norte aumentou exponencialmente e a questão “Sunday Bloody Sunday” permaneceria uma ferida aberta durante mais de duas décadas com os católicos a exigirem um segundo inquérito por parte das autoridades. Em 1998 com o objectivo de reforçar o instável acordo de paz acordado nesse mesmo ano, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair anuncia que um novo inquérito será aberto com o objectivo de apurar integralmente a verdade dos factos.
Durante estes últimos seis anos foram recolhidos mais de 1700 testemunhos dos quais 900 foram convocados para comparecer na comissão de inquérito (instalada no edifício de Guildhall, a escassos metros do local do massacre), entre militares, testemunhas oculares, jornalistas e membros do governo à data dos acontecimentos.
Ontem foram ouvidas as últimas testemunhas estimando-se que na primavera de 2005 sejam conhecidas as conclusões finais deste processo.
E sobretudo espera-se que este seja mais um passo para a pacificação na Irlanda do Norte, uma terra manchada pelo sangue e pela violência ao longo de décadas.

Friday, February 13, 2004

A Palavra



Hamlet é um monumento à palavra cujos alicerces assentam sobre os (extensos) monólogos do atormentado principe da Dinamarca, perseguido pelo espectro do pai assassinado que clama por vingança, e pelas dúvidas e angústias da existência humana. Laurence Olivier encenou e interpretou-o por diversas vezes nos palcos e assinou uma deslumbrante versão para Cinema em 1948.
Nas paredes de Elsinore ficariam para sempre gravadas as palavras malditas dos seus habitantes.

you are welcome to elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

Mário Cesariny


Thursday, February 12, 2004

Mário Viegas



“Tudo o que faço é por opção. E tenho essa vaidade, tenho a vaidade de manter os valores que escolhi.”
Era assim Mário Viegas, sempre fiel a si próprio e às coisas que amava... O teatro, a poesia, o seu público.
Nunca teve aliás muitas dúvidas acerca do que queria ser quando fosse grande, com apenas 4 anos de idade cria a sua própria companhia Teatral; o teatro ABC, onde assume as funções de Director, Encenador, Único Actor, Cenógrafo e Dramaturgo.
Décadas depois mais exactamente no ano de 1990, funda a Companhia Teatral do Chiado, onde vem a desempenhar praticamente as mesmas funções em grande parte das peças que aí são levadas à cena, até à data da sua morte, em Abril de 1996.
Antiga é também a sua paixão pela poesia, como ele próprio afirmava não houve nenhum poema português importante que não lhe tivesse passado pela garganta. Mário Viegas veio a preencher o vazio que João Villaret deixou na alma portuguesa. Recitou poesia um pouco por toda a parte, Liceus, Casas de Recreio, Reuniões Clandestinas durante os anos de contestação estudantil, mas também na rádio ou mesmo na televisão com programas como Palavras Ditas em 1984 ou Palavras Vivas em 1991.
E há também é claro o cinema, quem não se recorda de personagens como o Rei das Berlengas ou Kilas o mau da Fita?
É de certa forma inútil e inglório tentar sintetizar toda a vida e obra de um homem que extravasou a própria vida. Não é fácil gerir este silêncio a que a morte de Mário Viegas nos remeteu, mas como ele próprio gostava de dizer; "Quem não aguenta o silêncio, não aguenta a própria vida".

Post Scriptum: escrevi este texto há cerca de 4 anos e é muito especial para mim. escrevi-o para a minha primeira emissão de rádio e descobri-o ontem no meio de uma pilha de papéis, das várias que faço questão de guardar, sabe-se lá para que fim. como um arqueólogo ocasionalmente escavo nessa montanha de papel e descubro os vestigios de alguém que fui.

O Céu Sobre Berlim VII - O Muro de Berlim



Berlim 1961. na noite de 13 de Agosto enquanto a maioria dos cidadãos de Berlim dormiam, o Governo da Alemanha oriental começava a erguer um muro que dividiria a cidade durante 28 anos. esta era a resposta ao êxodo massivo de alemães de leste (2.8 milhões, num país de 17 milhões, entre 1952 e 1961) que utilizavam Berlim como ponto de passagem para o ocidente. entre 1961 e 1975 o muro viria a sofrer diversas alterações de modo a torná-lo mais eficaz. Gunter Lidwin seria o primeiro alemão a ser abatido, a 24 de Agosto de 1961 quando tentava alcançar a liberdade. depois dele e até 1989, cerca de 190 alemães seriam mortos e mais de 200 feridos a tentar transpor o muro, que na realidade era composto por 3 muralhas, 3 fossos, 302 postos de observação e rolos de arame farpado ao longo de 162 kms.
a 9 de Novembro de 1989, em conferência de imprensa o governo da Alemanha Oriental anunciava que a fronteira de Berlim estava oficialmente aberta. nessa mesma noite sob o céu de Berlim, milhares de berlinenses afluiram à zona ocidental e redescobriram a sua cidade.

Tuesday, February 10, 2004

O Céu Sobre Berlim VI



Berlim Ocidental 1963. Praticamente vinte anos após o final da II Grande Guerra, o presidente norte-americano John F. Kennedy chegava à Europa com uma mensagem de paz e unidade entre os países aliados, contra a ameaça comunista. Berlim era o centro nevrálgico da Guerra Fria, encravada na Alemanha oriental, mas com uma parte do território sob administração de americanos, franceses e britânicos. O muro mandado erigir pelos soviéticos em 1961 procurava conter a fuga dos alemães de leste para o ocidente, facto que John F. Kennedy criticou duramente no seu discurso proferido na Rudolph Wilde Platz, tomando Berlim como o exemplo da verdadeira natureza do regime soviético.
John F Kennedy finalizou o seu discurso preconizando um futuro, sem muros ou restrições à liberdade individual de cada um. Um mundo unido pela paz e pela cooperação entre os povos. John F Kennedy no entanto nunca veria cumprido o seu sonho de uma Alemanha unificada sobre os escombros do império soviético. Alguns meses depois a 22 de Novembro, durante a campanha de re-eleição, Kennedy era abatido em Dallas.
Sobre o Céu de Berlim ficariam a ecoar as palavras de John F Kennedy "Ich bin ein Berliner"

«Freedom is indivisible, and when one man is enslaved, all are not free. When all are free, then we can look forward to that day when this city will be joined as one and this country and this great Continent of Europe in a peaceful and hopeful globe. When that day finally comes, as it will, the people of West Berlin can take sober satisfaction in the fact that they were in the front lines for almost two decades.

All free men, wherever they may live, are citizens of Berlin, and, therefore, as a free man, I take pride in the words "Ich bin ein Berliner."»

Berlim - 26 de Junho de 1963

Thursday, February 05, 2004

As Bodas de Deus



Enviado de Deus - Sou Enviado de Deus.

João de Deus - Vou ser chamado?

Enviado de Deus - Não me deram instruções nesse sentido. És demasiado velho.

João de Deus - Serei poeira, mas poeira enamorada.

Enviado de Deus - Fui enviado para te entregar esta mala. Contém uma soma avultadíssima em dinheiro.

João de Deus - Quanto?

Enviado de Deus - Não nos prendamos com pormenores. És rico como Cresus. Podes comprar o que te apetecer.

João de Deus - Ter caprichos?

Enviado de Deus - Os mais extravagantes.

João de Deus - Derrubar governos?

Enviado de Deus - A partir de hoje és o homem mais poderoso da terra. Não tens de prestar contas a ninguém.

João de Deus - Nem sequer tenho que acender uma vela ao meu benfeitor?

Enviado de Deus - Nem sequer. Estás dispensado das acções de graças.

João de Deus - Nesse caso sou bem capaz de ficar com a malinha. O taco é em dólares?

Enviado de Deus - Podes trocá-lo para marcos. Vai sofrer menos flutuações.

João de Deus - Também me parece.



C a r a n g u e j o l a

Na manhã de 16 de Abril de 1916, Mário de Sá-Carneiro no seu quarto de hotel em Paris, veste o seu melhor fato, arruma cuidadosamente os seus escritos e a sua roupa em duas malas, escreve uma última carta ao seu melhor amigo, Fernando Pessoa; de seguida toma cinco frascos de estricnina e deita-se na cama à espera do sossego.

Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada!...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!

Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado...
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira...
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.

Não, não estou para mais; não quero mesmo brinquedos.
Pra quê? Até se mos dessem não saberia brincar...
Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?
Não fui feito pra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar!...

Noite sempre plo meu quarto. As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho- que amor!...
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor -
Plo menos era o sossego completo... História! Era a melhor das vidas...

Se me doem os pés e não sei andar direito,
Pra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?
Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde
Com o meu corpo, e se resigne a não ter jeito...

De que me vale sair, se me constipo logo?
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?...
Deixa-te de ilusões, Mário! Bom édredon, bom fogo -
E não penses no resto. É já bastante, com franqueza...

Desistamos. A nenhuma parte a minha ânsia me levará.
Pra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim. Co'a breca! levem-me prá enfermaria! -
Isto é, pra um quarto particular que o meu Pai pagará.

Justo. Um quarto de hospital, higiénico, todo branco, moderno e tranquilo;
Em Paris, é preferível, por causa da legenda...
De aqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda;
E depois estar maluquinho em Paris fica bem, tem certo estilo...

Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras...
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.

Paris, Novembro de 1915

Wednesday, February 04, 2004

Segundo rezam as crónicas os GNR - sigla para Grupo Novo Rock - terão nascido em 1979 na cidade Invicta. Em 1981 “Portugal na CEE” e “Ser um GNR”, constituem os primeiros singles de que há registo, ainda no entanto sem a voz e as letras de Rui Reininho, que entraria na banda um ano mais tarde, em 1982 o ano em que era editado “Independança” o primeiro LP dos GNR. Na mesma altura sensivelmente saía Vitor Rua, baixista e membro fundador da banda, sendo substituido por Jorge Romão. “Defeitos Especiais” de 1984 seria o primeiro álbum com Romão e o último com Alexandre Soares que partiria para outros projectos, nomeadamente os “Três Tristes Tigres”, provavelmente a banda portuguesa mais difícil de pronunciar de todos os tempos.
Segue-se “Os Homens Não Se Querem Bonitos” (1985), Psicopátria (1986), “A Valsa dos Detectives” (1989).
“In Vivo” o primeiro (e único até à data) álbum ao vivo dos GNR, seria alvo de uma intensa polémica, quando Vitor Rua moveu um processo exigindo a retirada de temas da sua autoria. Vencida a batalha judicial “In Vivo” é retirado do mercado e reeditado sem as músicas censuradas. O álbum com as músicas “proíbidas” torna-se alvo do apetite de coleccionadores e “In Vivo” um fenómeno de vendas, como que a provar que a polémica é um excelente veículo de marketing. “In Vivo” marca também uma época. Depois disso os GNR não seriam mais os mesmos. Dir-se-ia que o Grupo Novo Rock envelheceu, ou talvez cedesse a uma lógica mercantilista onde nunca deixaram de procurar um sucessor para “Dunas”, a música de celebração adolescente que acompanhou as férias grandes de uma geração. As letras de Reininho outrora de uma acidez surreal, pejada de trocadilhos com significados mais ou menos obscuros, ainda se pode encontrar num o outro tema disperso, mas houve qualquer coisa que definitivamente se perdeu na viragem para os anos 90, o que é pena. Fazem muita falta bandas assim em Portugal, com identidade e sonoridade próprias, porque não basta vir fazer o choradinho de que não se apoia a música portuguesa, é preciso merecer. E olhando para a música portuguesa ao longo dos anos 90 e inícios do século XXI, conta-se pelos dedos de uma mão as bandas que realmente fizeram alguma coisa por isso.

SENTIDOS PÊSAMES

Ele há gente que vive de si
Ele há vícios de que a gente se ri
Todos me falam nunca os conheci
Assisto ao seu enterro metam-nos pr'aí

Os meus sentidos pêsames
Que pena não viveres mais aqui

Ele há músicos qu'eu nunca ouvi
Ele há estilistas qu'eu nunca vesti
Ele há críticas que eu nunca percebi
E até managers de quem não recebi

Os meus sentidos pêsames
Sinceros parabéns por desistires de vencer
Os meus sentidos pêsames
Saudades de quem não se sabe vender aqui
Onde eu já vivi. Sem saber como nem quando. Onde eu já dormi
Condolências para quem continua sem saber. O que faz aqui
Como eu só vivi. Também já acordei um dia sozinho
E no entanto lembrei-me de ti. Aceita as
Condolências deixa-te morrer. Não fazes falta aqui.
Quando te fores haverá sempre elogios. E alguém
Que se riu de ti. Onde eu já vivi.

Os Homens Não Se Querem Bonitos, 1985