Monday, November 24, 2003

O Céu Sobre Berlim III


Berlim, meados de 70. O muro de Berlim entra na sua 4ª e derradeira fase, David Bowie, refugia-se na cidade e grava três álbuns (“Low” e “Heroes” de 1977 e “Lodge” de 1979) que ficariam para a posterioridade como a trilogia berlinense, Christiane F. uma adolescente de 14 anos, relata a dois jornalistas a sua experiência enquanto toxicodependente. O livro narrado na primeira pessoa, é um grito de alerta para um fenómeno que começou a emergir com o fim da era hippie. As canções já não falam de paz e harmonia ou de amor enquanto salvação, as flores do “Flower Power” murcharam e com elas todos os ideais e utopias, erguidos em manifestações de protesto num agitar de braços e de dedos em V. As drogas também mudaram. O LSD e a cannabis, consumidas em rituais comunitários de celebração e partilha, durante grande parte dos anos 60, cedem a pouco e pouco à individualista e alienatória heroína. No Way Out, canta Lou Reed, ainda com os Velvet Underground. É uma geração inteira que mergulha no desespero do vazio, sem perspectivas de futuro, entregam-se à promessa de paraíso, mas o que descobrem é outro inferno, ainda pior do que as suas próprias vidas. Sobre o Céu de Berlim, espessas nuvens de chuva abatem-se sobre a zona de Banhof Zoo.

Tuesday, November 18, 2003

Ondas



Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe por onde tu passas.

Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas

Sophia de Mello Breyner Andersen

Monday, November 17, 2003

O Céu Sobre Berlim II


em Agosto de 1999 o mundo assistiu ao último eclipse do II milenio da era cristã. para muitos aquele era tambem o principio do fim, o advento do apocalipse. acima da Coluna da Vitória, o céu sobre Berlim anoiteceu por breves instantes.

(Ainda a) Vontade de Fugir - Route 66


É a estrada mítica da América, imortalizada em dezenas de filmes, ou em livros como "On the Road" de Jack Kerouack, e a sua geração "Beat", que fizeram da estrada o simbolo de uma liberdade sempre adiada.
Com 4000 kms de extensão, atravessando 8 Estados e três fusos horários, a Route 66 iniciava o seu percurso em Chicago, na costa Este e terminava em Santa Mónica, Los Angeles na Costa Oeste. Concessionada em 1926, para a sua construção foram aproveitadas inúmeras estradas já existentes, como num gigantesco puzzle. Nesse ano de 1926 apenas 800 milhas de estrada estavam pavimentadas, sendo necessário aguardar até 1937 para que o percurso fosse alcatroado na sua totalidade. A pouco e pouco a Route 66 foi cedendo ao progresso e em 1985 foi oficialmente encerrada, substituída por modernas auto-estradas inter-estaduais. No entanto, e apesar de não constar em nenhum mapa de estradas recente, ainda é possível percorrer grande parte do traçado, daquela que ainda hoje é conhecida como “The Mother Road”.

Sunday, November 16, 2003

Exit Music (for a film)


ainda a propósito da vontade de fugir... Exit Music foi encomendada por Baz Luhrman aos Radiohead como tema final para Romeo + Juliet.
numa entrevista dada na altura, Thom York disse ter ficado traumatizado na sua pré-adolescência quando viu Romeu e Julieta pela primeira vez. ao que parece, nunca conseguiu compreender porque é que os amantes não fugiram logo na primeira noite em que fizeram amor. sob o signo do trauma decidiu então escrever uma música sobre "fugir antes que as merdas aconteçam."
Exit Music (for a film)

Wake.. from your sleep
The drying of your tears
Today we escape, we escape

Pack.. and get dressed
Before your father hears us
Before all hell breaks loose

Breathe, keep breathing
Don't lose your nerve
Breathe, keep breathing
I can't do this alone

Sing.. us a song
A song to keep us warm
There's such a chill, such a chill

You can laugh
A spineless laugh
We hope your rules and wisdom choke you
Now we are one in everlasting peace

We hope that you choke, that you choke
We hope that you choke, that you choke
We hope that you choke, that you choke

Thursday, November 13, 2003

Road Movies


Um desejo irresistível de fuga. Um lugar paradisíaco para lá do deserto. A estrada por onde correm todos os sonhos.
Do amor marginal e mitificado de “Bonnie & Clyde”, passando pela amizade indestrutível de duas mulheres em busca da liberdade e de si mesmas de “Thelma & Louise”, prosseguindo pela viagem de dois adolescentes e uma mulher - uma viagem de perda e de morte, mas também de descoberta e deslumbramento de “...E a Tua Mãe Também”, um homem em queda, fascinado pela vertigem do seu próprio voo de “O Acossado”, a lista é interminável, estende-se para lá da linha do horizonte, onde morre um céu em fogo.
Para trás acendem-se os néons de motéis baratos, as lâmpadas fluorescentes de bombas de gasolina perdidas em pleno deserto, roadhouses de Harley’s estacionadas à porta, entre carrinhas e Cadillac’s, não fosse o Road Movie um género americano por excelência. Claro que há excepções, como o filme do gaulês Godard ou o do mexicano Alfonso Cuaron, mas a herança americana está sempre presente.
Os nomes não cessam de surgir à medida que vou escrevendo. “Uma História Simples” e “Um Coração Selvagem” de David Lynch, “Paris, Texas” e “Até ao Fim do Mundo” de Wim Wenders, “Assassinos Natos” de Oliver Stone e porque não também “Lolita” de Stanley Kubrick, como já disse a lista é interminável. Quem nunca sentiu vontade de fugir, que atire a primeira pedra.

Thursday, November 06, 2003

We'll always have Paris


Casablanca. Um dos filmes da minha vida, da minha e provavelmente de milhares de apaixonados do cinema por esse mundo fora. Trágico como só as histórias de amor podem ser, belo como o amor que une Rick a Ilsa, grande como o mundo (em guerra) que separa os velhos amantes.
Curiosamente uma das frases mais famosas retiradas do filme, não existe. Na verdade Ilsa nunca diz "play it again Sam", Ilsa diz somente:

Ilsa: Play it once, Sam, for old times' sake.
Sam: I don't know what you mean, Miss Ilsa.
Ilsa: (whispered) Play it, Sam. Play 'As Time Goes By.'
Sam: Why, I can't remember it, Miss Ilsa. I'm a little rusty on it.
Ilsa: I'll hum it for you. (Ilsa hums two bars. Sam starts to play - without singing the lyrics. She presses him to sing.) Sing it, Sam.

You must remember this
A kiss is just a kiss
A sigh is just a sigh
The fundamental things apply
As Time Goes By.
And when two lovers woo
They still say, 'I love you'
On that you can rely
No matter what the future brings
As Time Goes By.

Wednesday, November 05, 2003

Conto de Fadas


O que te dizer quando nos olhos, como lágrimas se desprende
o que sinto por ti?
O que te escrever quando as palavras estão enfermas de erros
e enganos, e não afastam esta solidão que cresce dentro de mim?
resta-me este silêncio que sei incapaz de me trair, e que colho às mãos
cheias como no verão o jasmim, escrevo-te longas cartas que rasgo
logo a seguir, nados mortos em envelopes azuis por abrir.
um anão de vão de escada sorri, e um mandarim de pau na mão
certifica-se que não adormeci na vida que se projecta diante de mim
na alva parede que se fecha sobre os sonhos da minha infância,
onde outrora pintei um sol amarelo graffiti confiante e sorridente.
refugiam-se nas tocas os coelhos, bolas de pêlo saltitante de nariz fremente
e hesitante, como se a cada instante fosse necessário abalar a fugir.
provavelmente terão a sua razão, e pelo sim pelo não
telefono ao tubarão que me guia pela noite, num deslizar de águas mansas
tépidas e límpidas como cristal, recolho então as estrelas e os cristais que Neptuno me oferece e sou feliz enquanto não amanhece e o despertador me atira da cama com um grito de urgência e sou eu de novo adulto responsável
incapaz de verter uma lágrima ou de soltar um sentimento que não seja
picar o ponto e bater num teclado qwert que diante de mim boceja.
e ainda há quem não veja, que a felicidade se esconde por detrás de um
funcionalismo público que de um prédio dos subúrbios espreita
e que o poder de compra se vende em quiosques, estampado em revistas
de fundo cor de rosa, recheados com conselhos de uma madame de Cascais
ou na tinta suja dos jornais em letras gordas e garrafais. e os lustrosos
senhores do capital dizem-nos que temos de viver mal
para que a engrenagem não emperre, e a vida avança por entre prateleiras
de hipermercado devidamente embalada e pronta a consumir, que o tempo
escasseia e é preciso produzir, sempre a sorrir, sempre satisfeito
que se o humano não é perfeito, as máquinas inventaram-se para o corrigir.
atribuo-te um número binário, um cálculo matemático e hermético
para aferir o quanto gosto de ti, mas o sistema encravou e é preciso
reiniciar para prosseguir, salva-se o que se pode e digo-te baixinho:
amo-te princesa dos contos de fadas da minha infância
e de armadura reluzente armo-me com a espada do rei Artur
e vou caçar dragões para me distrair, da doença do mundo
que consiste em não saber sonhar ou sequer sorrir.