Bosko & Admira
Sarajevo, Maio de 1993. Bosko Brkic e Admira Ismic conheceram-se na escola quando ambos tinham 16 anos. Ele era sérvio, ela muçulmana, mera minudência, quando é o amor que dita as regras, que como se sabe, consiste numa única que é precisamente a inexistência de quaisquer regras.
Este não era contudo o seu tempo. Forças mais poderosas moviam-se no sentido contrário e de súbito a guerra civil explodiu deixando um rasto de ódio e morte à sua passagem.
Quando os sérvios começaram a fugir da cidade, Bosko recusou-se a partir. E quando a situação se tornou insustentável planearam a fuga. Chegaram a acordo com os contactos sérvios e muçulmanos. Asseguraram-lhes que poderiam partir de Sarajevo em segurança. A ponte de Vrbanja separava o território muçulmano do território sérvio, daí seguiriam para Grbavica cidade controlada pelos sérvios em direcção a Belgrado onde esperavam recomeçar uma nova vida.
Os atiradores furtivos, instalavam-se nos prédios vizinhos à ponte, de um lado e do outro da barricada. As travessias eram por isso arriscadas e feitas sobretudo à noite, com a cumplicidade das sombras negras projectadas pelas árvores. Bosko e Admira, estavam contudo confiantes nas promessas de uma passagem segura, e dirigiram-se à ponte em plena luz do dia. Bosko foi o primeiro a ser atingido e morreu de imediato, Admira contudo apesar de ferida ainda se conseguiu arrastar até ao corpo do seu amor e abraçá-lo, antes de ser novamente atingida.
Os seus corpos ficaram prostrados naquele descampado durante oito dias, até que as tropas sérvias os retiraram do local e os enterraram em Lukavica, na época uma base militar. A foto com os corpos dos amantes percorreu mundo, e a imprensa sempre em busca de pontos de referência chamou-lhes Romeu e Julieta de Sarajevo.
Em 1996 após o fim da guerra o pai de Admira, conseguiu que transladassem os corpos dos amantes para o cemitério de Lion em Sarajevo, a terra onde se conheceram e apaixonaram.
A 11 de Julho assinalaram-se os dez anos sobre o massacre de Srebrenica. Dos 8000 cadáveres descobertos no pós-guerra, nem dois mil foram identificados. É o anonimato que separa a história de Bosko e Admira dos 6000 mortos que permanecem por identificar.
A história de avós que sobreviveram aos horrores da II Grande Guerra, para no fim verem a família a ser dizimada à sua frente, a história de mães com os braços nus e desamparados depois de lhes terem arrancado os filhos dos braços. Histórias que ainda hoje se repetem todos os dias em todo o mundo, a história anónima e silenciosa das vitimas da guerra e da fome, dos que tiveram o infortúnio de nascer no lado errado da vida e a vêm escoar-se por entre os seus dedos magros e enclavinhados pela desesperança.