Quando era criança recordo-me de ver o telejornal e pensar o estranho que era, aqueles presidentes dos países africanos onde crianças como eu morriam à fome, estarem tão bem vestidos e terem um ar tão saudável. Via-os em recepções faustosas onde os seus fatos eram iguais aos dos presidentes dos países ricos da Europa, e espantava-me com o contraste das imagens de crianças famintas e esqueléticas mas com barrigas enormes, semelhantes aos seus olhos, enormes e igualmente famintos. Corriam os anos 80, e as imagens de países como a Etiópia, Angola e Somália entravam-nos pelas casas dentro à hora do jantar. Senhores que cantavam, uniam-se para escrever canções sobre a fraternidade e solidariedade, que cantavam a uma só voz, incluindo uns de cabelo comprido, calças rasgadas e alfinetes e que eu achava que deviam ser órfãos porque era impensável que as mães os deixassem vestir-se assim.
Hoje, leio notícias sobre relatórios da Human Rights Watch, do FMI e ONU, onde acusam senhores como o presidente angolano, de roubar biliões de dólares provenientes das receitas do petróleo. E vejo o nosso primeiro-ministro ir à festa de casamento da filha desse senhor, vejo Portugal perdoar mil milhões de dólares de divida a Angola em troca de um valor perfeitamente ridículo, quando por cá 200 mil pessoas passam fome e 1 milhão vivem em condições de extrema pobreza. Vejo tudo isto, e por instantes desejo ser criança outra vez porque toda esta pretensa sabedoria nada me traz senão tristeza e raiva.