Filhos de um Deus Menor
Em Mystic River de Clint Eastwood a vida de três crianças é trágica e (como viremos a descobrir mais tarde) irreversivelmente abalada pelo rapto e violação de uma delas. Essa data ficará gravada simbolicamente no chão de cimento, com o nome de uma delas inacabado. Como a sua própria vida, inacabada. Dave vai crescer, casar e ter um filho, mas nunca mais irá deixar aquela cave fria e escura de onde apenas fisicamente conseguiu escapar. Sean e Jimmy não saem incólumes, um assume a missão de proteger os inocentes e fazer cumprir a lei e torna-se policia, o outro, num homem frio e manipulador que não olha a meios para atingir os seus fins. Sob o signo de uma nova tragédia o caminho deles vai cruzar-se novamente cumprindo o seu destino de personagens de uma tragédia grega.
Em A Festa de Thomas Vinterberg, a celebração do 60º aniversário de um respeitado patriarca, é o pretexto para um banquete onde será servido um sórdido segredo, numa bandeja de prata. Num discurso supostamente de louvor ao pai, Christian irá revelar um tortuoso passado de abusos sexuais, de que ele e os seus irmãos foram vitimas durante anos, trazendo novos contornos ao suicídio da sua irmã, ocorrido meses antes.
Numa altura em que a pedofilia está no centro da arena do circo mediático em Portugal, estes dois filmes assumem contornos ainda mais inquietantes. Todos falam das figuras públicas que poderão estar ou não envolvidas, do segredo de justiça e da prisão preventiva, mas poucos se interrogam sobre o que na minha opinião mais importa. O que está a ser feito para evitar que crianças sejam vitimas de mais abusos? E o que está a ser feito, para minorar o sofrimento das crianças que foram sistematicamente violadas durante os anos em que todos fecharam os olhos a este crime abjecto, que destruiu a sua infância e marcou para sempre o seu percurso de adultos?
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